segunda-feira, 12 de abril de 2010

A primeira crônica

O teclado me olha com seu universo de letras e símbolos, evidenciando aquilo que eu já sei. Começar não é tão simples quanto parece. Coube-me a responsabilidade de ler A última crônica de Fernando Sabino na manhã deste dia. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Deseja o cronista em seu passeio matinal até deparar-se com o elemento inspirador que propiciaria a narrativa da vez: a história da família que comemora o aniversário da filha diante do cronista sem tema. É do balcão de um bar, onde parara para uma xícara de café que ele os observa: Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.
Uma família movida por uma sincera contenção de gestos e silêncios para um momento solene. As poucas posses são suficientes para um refrigerante e uma fatia de bolo, transcendendo assim a construção social do que seja uma tradicional festa de aniversário. A filha do casal ilumina o rosto com um sorriso diante da surpresa. É a sua festa. Ela é o centro da cena que se desenrola aos olhos do cronista.
Obediente ela aguarda o momento preciso, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Faço-me a mesma pergunta, mais a ação construída no texto não permite especulações, pois cada sequência, cada gesto, foi milimetricamente pensado até ganhar voz com minha leitura. A cumplicidade do casal a comemorar o aniversário da filha é de uma riqueza humanitária e de uma simplicidade que me faltam palavras para descrever a natureza inventiva do cronista diante do fato.
O cronista conclui sua narrativa matinal ao cruzar seu olhar com pai, dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido - vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.
Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso. Finalizo a leitura e ali em sala de aula, o texto começa a construir em minha mente um projeto infinito de idéias que se adequem ao trabalho proposto pela disciplina: produzir uma crônica.
Decididamente fui tocado pela simplicidade do relato diante do que poderia ter sido apenas uma xícara de café, o dia em que a última crônica de Fernando Sabino, deu origem a esta missão, numa manhã despretensiosa de terça-feira.

Kennedy Saldanha