segunda-feira, 21 de setembro de 2009

NARRADORES DE JAVÉ

NARRADORES DE JAVÉ


O Povoado de Javé e Antonio Biá sem dúvida alguma são os personagens principais desta estória popular que se constrói pela tradição oral e pelo espírito moleque de sua gente, numa tentativa de salvaguardar sua própria história. Situações típicas de um nordeste bem presente no cotidiano de todos nós, a música, a fofoca, as origens, a ausência de perspectiva em lugares semelhantes á vida pacata de Javé.

O foco narrativo do filme está na preservação dos valores imaterias do povoado constituído pela narrativa dos que fizeram e dos que descendem dos mitos fundantes Indalécio e Maria Dina. Estes heróis reaparecem no cotidiano dos moradores a partir do momento em que eles são informados da “tragédia das águas” que vai inundar o vale com a construção de uma barragem. Como que saídos das águas Indalécio (o nobre chefe guerreiro) e Maria Dina (mulher que de fato teve importância) retornam triunfantes na voz dos moradores, para que suas estórias sejam a base legal para a manutenção de sua rotina de vida ou seja a preservação do vale de Javé.

Um discurssão, descompromissada, acerca de tombamento e patrimônio dentro um perspectiva quase ingênua diante da simplicidade daqueles que desconhecem seu grau de importância. Indalécio e Maria Diná estes sim, os heróicos conquistadores que ao cantarem as divisas do vale de Javé, iniciaram a estória dessa gente e é esta herança sanguínea que passa a ser requerida pelos personagens no filme.

Quando Antonio Biá inicia sua itinerância á colher estórias para a Odisséia do Vale de Javé nos deparamos como que considero a cena mais emblemática do filme, é quando Antonio Biá em visita ao Seu Vicentino lhe explica por que prefere o lápis ao invés da caneta, assumindo categoricamente que só consegue pensar a lápis já que o mesmo obedece o papel e ao pensamento. A natureza de quem recolhe e acolhe histórias imemóriais, o ofício do contador de histórias, de causos sendo explanado de maneira simples e objetiva.

O roteiro de Eliane Caffé e Luiz Alberto Abreu é uma excelência a nossa cultura e a nossa gente, em cada cena, cada personagem, cada rua do pequeno Vale. A sacação de integrar atores e comunidade em nenhum momento compromete a narrativa e sim contribui com a verdade que está sendo contada em seus mínimos detalhes.
A fotografia em tom sépia só valoriza o tom passadista na história, o antigo sendo revisitado e restaurado á luz da memória. A memória do povo de Javé sintetiza as narrativas populares que encontramos pelo o Nordeste afora, histórias contadas nas calçadas pelos nossos avós em noite de lua. Estórias de trancoso no linguajar popular quando nos referimos ao folclore, á capacidade imagética do homem sertanejo de reinventar o curso do tempo.

E assim Indalécio e Maria Diná ganham aspectos variados na voz dos interlocutores que esperam contribuir para a grande história do Vale de Javé, botando no papel o juntado de tudo que é importante.José Dummont é a luz desse caminho, a construção minúnciosa do seu Antonio Bía é satisfação pura. Cada cena, cada momento em que personagem esta presente é sem dúvida alguma um momento de satisfação para o espectador.

O sonho não se realiza. O livro fica preso a memória de quem ouve e vê. Biá não cumpre a promessa, pois sabe que Javé é só um buraco perdido no oco do mundo e que o progresso não para por causa de um bando de analfabetos. Fica a reflexão, até onde vai nosso sentido de humanidade, que grau de importância nos damos? Na construção de um projeto social maior qual será a nossa contribuição? Afinal o jornalista é um contador de histórias que se geram a partir de fatos do cotidiano. No cotidiano de Javé ficou a memória do lugar, pois, o resto ás águas engoliram para dar vez ao desenvolvimento.


• O filme Narradores de Javé da diretora Eliane Caffé ao abordar em seu roteiro a Tradição Oral e Patrimônio Imaterial, ela nos apresenta a face reveladora de um país em que sua memória é apenas um mero atributo daqueles que sobreviveram a corrosão do tempo. O principal legado para as futuras gerações não tem valor constituído, ele está situado apenas no plano do afeto que envolve as relações de toda ordem.

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